"A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original."
(Albert Einstein)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Espelho

Eu ando por essas ruas e vejo gente. Eu vejo tudo e não mais que qualquer um. Vejo pessoas andando, pra lá e pra cá, e tento adivinhar pra onde vão. Aqui neste lugar, todo mundo se esbarra mas não se mistura. Quase que nem água e óleo. Os tons de pele vão de pálido aguado à escuro desbotado e no fundo as folhas mudam também de cor. Eu gosto do outono aqui. Gosto de quando as folhas caem e mudam de cor, e secam e encerram mais um ciclo. Gosto porque é quando meus olhos finalmente conseguem testemunhar uma mudança assim tão nitidamente, e olha que geralmente mudanças são, além de inevitáveis, transparentes. A gente só repara quando a transformação já criou forma, e aí não adianta chorar, porque quer você queira ou não, a metamorfose já se enraizou. 
Pois então, observo daqui tudo o que me rodeia, e não me atrevo ir mais adiante. Me contento com o que se aproxima e não ultrapasso os limites de alcance de minha visão. Mas como sou enxerida, penetro os pensamentos de pessoas estranhas e quase sinto suas intimidades. Gosto de dar nomes à cada um deles, mas hoje, por alguma razão, me faltou o dom. Numa dessas caçadas, avistei de longe uma menina-mulher (mais menina do que mulher). Sua pele era escura desbotada mas seus cabelos eram de um negro sem falhas. E quando ela se sentou ao meu lado, percebi que suas medeixas eram lisas por natureza e brilhavam com o reflexo da luz pesada de uma tarde nublada. Disfarcei, para que não fosse pega, não queria que ela soubesse que a observava com olhos analíticos, mas também não dava pra ignorar. Desviei o olhar para janela, a procura de algo que me apetecesse mais. Já em movimento, percebi que metade de nossos rostos, mais especificamente nossos narizes e bocas e ainda nossos pescoços e parte de nossos colos, estavam refletidos num retrovisor tres vezes maior do que a de um carro. Ajustei minha postura para ter certeza que meus olhos não estivessem ali refletidos e olhei pra ela rapidamente. Ela então olhou para mim e pude ver que seus olhos estavam contornados minuciosamente com delineador ou talvez lápis preto que esticavam o canto exterior dos olhos dando à eles uma nova forma. Voltei a observar pelo espelho e dessa vez vi algo que me fez enrugar a testa. Eu vi uma semelhança em nossos traços. Mas precisamente nossas bocas, da qual tenho um imenso orgulho. Pela primeira vez, não me senti tão só. Olhei então para suas mãos que agora estavam inquietas a procura de algo em uma bolsa de couro mole. Ela arregaçou as mangas do casaco também de couro mole e de cor preta que vestia, agora dava pra ver um pouco mais de pele, e reparei que assim como eu, a menina  tinha cabelo nos braços pra dar e vender. Me perguntei se ela as vezes se incomodava com isso, mas ela parecia bastante confortável com sua imagem. Algumas paradas depois, ela desceu do ônibus. E num piscar de olhos, a menina sumiu. Continuei minha jornada de volta pra casa sozinha, e agora me pergunto: Quantas outras versões de mim há de existir?"

4 comentários:

  1. Adorei, minha querida... super beijo....

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  2. Maninhaaa tu es belaaaa.....por dentro e por foraaaa!!!! Q saudade da minha nega lindaaa!!!!rsrs
    Te Amo!!!!
    OBS: Ler o q tu escreve me faz bemm d+!!!!!
    Beijokasssssss

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  3. Gostei do seu texto..mas talvez eu seja orgulhosa demais p reconhecer que existem outras versões de mim por ai, ou humilde demais, para aceitar que existam pessoas como eu.No entanto isso é uma dádiva, vc conseguiu ver.Isso é muito bom, ponto de equilibrio.Parabéns.

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  4. Nathalia, lindo texto. Bem construído e que faz pensar! Grande Abraço!

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